terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Final de semana em Paquetá

Recebo o convite de um amigo querido, mas não estava muito empolgada, já tinha ido outras vezes e não tem muito que fazer por lá – ainda mais com chuva, dei a desculpa que não tinha com quem deixar minhas cachorras (era mentira, o zelador mal humorado do meu ex prédio, sempre cuidava delas; na verdade acho que eram os únicos seres com quem ele se comunicava). Bom, não colou, escutei de volta um: "Trás as bichinhas, bom que elas passeiam, tem tanto espaço aqui..." etc., etc., etc.

Como não tinha nada programado mesmo, respirei fundo, peguei uma mochila com uma muda de roupa, ração, vasilhas para água/ comida, coleiras, caminha, brinquedinhos e um táxi para a Praça XV. Isso não foi tão rápido assim, e, associado a minha fama de sempre me atrasar, fez com que o resto do pessoal que me aguardava na saída das barcas, todos de cara amarrada pra mim, perdessem o tal do jumbo ket ou jumboquete (sei lá como escreve isso), que é o meio mais rápido, uns 25 minutos e tivemos que ir de barca comum, que leva mais de uma hora e vinte.

Na chegada, administra-se cinco pessoas, dois cachorros, mochilas, isopor e outros cacarecos em três "eco-taxis" (p/ quem não conhece, é um cara numa bicicleta, puxando um banco atrás, que cabem duas pessoas – o único carro de Paquetá é a ambulância do posto de saúde), até a casa do meu amigo, que nos aguarda ansiosamente, com um churrasco engatilhado, debaixo de uma chuva, agora torrencial.

No caminho vou pensando, com duas york shires molhadas no colo: "calma Paula, não pode ser tão ruim assim, cervejinha gelada, churrasquinho, natureza, bate-papo com amigos..." Daí lembro que sou amiga dos "meninos" e as namoradas só fingem que me suportam, com raras exceções, porque a maioria nunca gosta mesmo da tal da melhor amiga do namorado, muito menos da intimidade que você tem com ele (mesmo tendo adquirido tal grau no decorrer de uns quinze anos). Outro sopro de otimismo: relaxa, vc sempre tirou isso de letra, e se essa(s) infeliz(es) durar(em) mais de dois meses – o que é raro – acaba abrindo a guarda, esforçando-se ao máximo para virar sua "amiga de infância"; fato que nunca vai acontecer, dado ao histórico anterior *(nossa, tomara que nenhuma delas nunca leia isso!)

Ao virar a esquina da histórica casa de Paquetá, já escuto música vinda de lá e estou mais tranqüila (ou resignada), meu amigo espera abrigado na varanda e avisa aos outros que chegamos. Algazarra normal de chegada, cumprimentos tradicionais milenares, encarnação na minha pele por causa da demora e do meu tradicional atraso, eis que escuto lá de dentro (e de uma voz desconhecida): "Enfim chegou essa mineira!".

Silêncio quase uterino, olho p/ cara dos meus amigos, que nesse momento parecem estar – todos - contando as jacas maduras do pé da entrada da casa e descubro, após uma contagem mental rápida, que estou entre quatro casais, duas cachorras e um idiota com avental feminino, espeto numa mão e uma sobre-coxa de galinha na outra. Era tudo um plano.
nota: pq será, minha nossa, que seus amigos casados, nunca estão satisfeitos com sua cômoda solterisse e ficam arquitetando maneiras de te apresentar para as figuras mais estranhas do planeta e não confiam na sua capacidade de arrumar homem por conta própria?! (ou mulher, se for o caso).


Pensei em voltar no mesmo eco-taxi, mas, além do constrangimento geral, seria muito sacrifício para os dois serzinhos molhados que trazia, agora, dentro do casaco (Nina e Malu). Novamente a versão Polliana do meu lado menos realista ainda tenta: "deixa de ser ranzinza, Paula! Eles não fizeram por mal... essa sua sensação de que é uma pizza delivery é coisa da sua cabeça... a cara de bocó dele também (ainda mais com esse avental ridículo) é só um choque inicial.... vai que o cara é legal..."

O cara, era primo-da-namorada-do-amigo-do-meu-amigo, recém chegado de Fortaleza, falava alto, muito, babava um pouco, andava esquisito - meio que esbarrando em tudo, interagia nos momentos errados, sentia-se o centro das atenções (e era, né!), a última coca do deserto, com a certeza de que EU era a tal da pizza - meia pepperoni, meia quatro-queijos - e o pior: oferta da casa!

Exercitei ao máximo o meu lado Zen, pensando internamente "Na guerra é pior, na guerra é pior..." - o que foi motivo de orgulho para os meus amigos - que já apostavam entre eles quando eu iria arremessar o cinzeiro de pedra-sabão na testa do infeliz, até o momento que o indivíduo resolve abrir o leque de piadas, iniciando por uma de mineiro e na seqüência presenteando cada um dos convivas, além do anfitrião, com uma pérola; seja por raça, credo, futebol, tipo físico e por aí vai... Nessa hora ganhei apoio geral, sem precisar mover um dedo e num pacto mental, embebedamos o chato (que, lógico, se dizia "fortíssimo pra bebida") e botamos pra dormir. Não cabia outra atitude mais drástica, é uma ilha, não tem como expulsar o cara no meio na noite – eu votei no afogamento, mas era um voto mental, eles fingiram que não me escutaram.


Dia seguinte, abriu um solzinho mixo, o pessoal acordando (menos o Costinha, versão suicida), eu com um "ar superior" e um olhar tipo: viram, seu putos, o que vocês arrumam pra mim?!; coloquei as coleiras e fui dar um passeio com as duas (me achando): "Vamos meninas, pegar uns carrapatinhos importados e sujar as patinhas de lama".

Lá os cachorros ficam soltos, mesmo os de raça, não tem como eles saírem a nado mesmo. Meia hora depois começo a achar estranho a quantidade de cão na rua, e todos perto de mim, numa observação mais detalhada, nessa altura a matilha tinha aumentado, noto que todos eram machos e continuavam chegando... aí que caiu a ficha: as duas estavam no cio. Catei as bichinhas no colo, dei meia volta, apertei o passo rumo a casa, sendo seguida por uns 20 a 30 cachorros (não, não é exagero), com a língua enrolada o olhar vidrado, de todo tipo e tamanho.

Chego esbaforida e pálida, minha pose superior já tinha ido pro saco há muito tempo, com uma yorkshire debaixo de cada braço, conto o que aconteceu, o povo tem uma crise de riso e acha que é invenção minha, até olharem para o portão e ver a quantidade de "pretendentes" esperando do lado de fora – montaram acampamento mesmo, tivemos que fechar a casa toda para as duas não fugirem e o "genro" mais probo que eu podia arrumar, era um basset abusado que passou por um buraco mínimo na cerca.

Depois de muito tempo, eu trancada do lado de dentro, vigiando as duas, com o Costinha de ressaca me fazendo companhia, e todo mundo se divertindo lá fora, os tarados foram desistindo e a situação volta ao "normal".


Come-se, bebe-se, alguns tiram um último cochilo, hora de ir embora, tudo arrumado, peço uma charrete p/ não arriscar, desço na praça principal (acho que é a única), todo mundo reunido, última barca, caminhamos pra fila, eu só carregava as duas "ladies", o povo levava o resto das coisas pra me ajudar... vem o Gran finale: surge um sheepdog, tosado, do nada, pula EM MIM, de um jeito que eu não conseguia me soltar, ele em pé era quase da minha altura, eu gritava com as duas no colo, cada um caiu para um lado de tanto rir, ninguém conseguia fazer nada, toda a população da cidade vendo, o pipoqueiro é que veio me socorrer, o sheepdog não largava nem a porrete, só faltou um cigarrinho no final e beijo na boca.

Entro na barca, sento de cabeça baixa num lugar mais afastado, meus amigos em volta de mim com lágrimas nos olhos de tanto rir e sem fôlego, percebo algumas pessoas apontando e contando pra outras (raras) que não viram a cena; tento mentalizar que eu não sou eu, que tudo foi sonho, que nem saí de casa nesse final de semana, que a *orra daquela barca não cabe mais de duzentas pessoas e está lotada, mas não adianta muito, foram as quase duas horas mais longas da minha vida.

Nunca mais voltei lá, mas toda vez que um engraçadinho vai, volta dizendo que viu um sheepdog perto das barcas, olhando pra baía com ar distante, uivando triste... FDP!

Mentirosa Profissional

Quinta-feira, véspera de feriado, sozinha na empresa, era a única hora que conseguia realmente colocar ordem no meu trabalho, sem nenhum incêndio pra apagar. Quando terminei tudo, ainda era 'cedo' perto da minha rotina, quase oito da noite, resolvi me dar um presentinho - normalmente eu me recompenso por bom desempenho.

Entrei na locadora virtual, que sempre me avisa quando tento locar um filme que já vi, o que acontece com freqüência, e ainda leva e busca em casa, evitando que pague uma multa de umas vinte vezes o valor do talzinho, que também esqueço de entregar.

Bem, era só escolher os filmes, passar num supermercado 24 horas, comprar um vinhozinho, uns comes, chocolate, pipoca, um belo banho, merecia até umas velinhas na sala, um incenso com cheirinho de talco que só eu acho pra mim mesma*, camiseta velha e puída, relax total, programa perfeito – nem se o Victor Fasano ou o Raul Gazolla me chamasse pra sair eu iria, precisa desse ritual e sozinha.

Enquanto escolhia os filmes, nada de drama, suspense ou terror, eis que surge um banner do lançamento do último pornô do Alexandre Frota, rapidamente fechei, como se fosse uma cena de atropelamento de uma ninhada de pandas, chinchilas, ou qualquer bichinho fofo numa morte cruel. Nessa hora me dei conta da bendita educação mineira castradora, resolvi me rebelar, que droga é essa, que com mais de trinta anos, morando sozinha, diretora de uma empresa, responsável por um monte de pepino o dia inteiro, e não posso nem matar a curiosidade de como seria o do Frota?! Não... tudo errado. Voltei na seção que nunca tinha clicado, me enchi tanto de coragem que aluguei o Frota, um tal de Rocco, e mais uns dois com títulos bem esdrúxulos – empolguei.

Depois lembrei do porteiro do prédio e o zelador, eles iam entregar lá, vem num saquinho, mas e se abrissem o saquinho só pra ver? Selecionei mais uns desenhos da Disney, só pra despistar, fora os que já tinha separado antes. Bolei tudo: chego depois da entrega, porque vou passar no supermercado, entro direto, vão me chamar para entregar a bagaça da sacola, eu finjo que não ouço o primeiro chamado, do tipo bem distraída, quando insistirem eu volto, faço cara de "sim, pois não...", na hora que me entregarem eu falo: "Filmes? Que filmes? Não pedi filme algum..." E coloco a culpa toda no Clayton, meu roommate, que dividia o apartamento comigo naquela época, mas estava sempre viajando, inclusive naquele feriado. Plano Perfeito.

Cheguei de taxi, com as sacolas de compras e repetindo mentalmente todos os passos que iria fazer, cumpri tudo direitinho, com exceção do que minha mãe sempre diz, que minhas narinas abrem quando estou mentindo, mas ela não estava ali, só tive que convencer o Sr. João, o porteiro, e fiz tudo com tamanha maestria, que mesmo ele tendo visto o Clayton sair mais cedo com as malas, acreditaria que eram para alguma doação e ele voltaria para pegar os aguardados (?) filmes.

Morava no primeiro andar, o mesmo da portaria, assim que virei a esquina do corredor que dava para minha porta, não contive um risinho de Garfield, completamente satisfeita com a performance e me achando o suprasumo da esperteza, dei até um pulinho, rebolava e assoviava enquanto abria a porta.

Entrei, guardei as compras, comecei a preparar o ambiente, antes do banho fiz questão de conferir a sacolinha e ver se todos os DVDs estavam lá, os inocentes na embalagem original, os perigosos em caixinhas pretas, abri uma por uma e lá estavam: Rocco I, Rocco II, Frota... Consegui! Finalmente eu era uma balzaquiana moderna, independente, absoluta – sem lembrar a parte da hipocrisia da portaria, é claro.

Durante o banho lembrei do super-hiper-mega potente home theater do meu amigo Clayton, que tinha acabado de comprar e que tinha que bater na parede do quarto para atender o telefone e nem assim o danado ouvia, o apartamento era muito pequeno para a potência daquele aparelho, as paredes tremiam, e ainda tinha comprado um CD do Bruno e Marroni para inaugurar o troço, nossos estilos musicais eram das poucas desavenças que tínhamos, se não fosse a única. Lembrei também que a TV dele era no mínimo umas cinco vezes maior que a minha, e ele sempre oferecia para usar o quarto e eu nunca nem entrava, só quando a diarista trocava nossas camisas e eu tinha que destrocar.

Decidido, enquanto tirava o shampoo do cabelo, concluí que depois de tanto sacrifício não ía ver o Frota numa TV de 14 polegadas no meu quarto, ainda mais que meus óculos tinham sumido, não usaria o tal home theater, mas a TV gigante era bem melhor. Transferi os planos e os apetrechos para o quarto ao lado, coloquei a camiseta velha puída, acendi as velinhas da sala, o incenso, selecionei minha primeira vítima, coloquei a postos no aparelho de DVD, a pipoca no microondas, e fui abrir o vinho que tinha deixado de antemão na geladeira. Não era uma noite perfeita?

ERA. Porque logo em seguida, enquanto ainda lutava com o saca rolhas na cozinha, o troço liga sozinho lá no quarto, num volume que não dá para descrever, acho que o Clayton tinha testado a potência daquela joça antes de viajar, no máximo, o filme ficava parado num trecho onde você escolhe os capítulos, a legenda, sei lá mais, e fica repetindo uma parte onde o Frota come uma policial em cima do capô do carro, e o fundo musical era só: "OHHhhhh, AAHHhhhhh, OooHHhhh, Vaaaaiii, AAHHhh(...)" - nisso, eu corri com o vinho na mão, o saca rolhas, o prédio inteiro escutando os gemidos, acho que até a esquina e o bairro, tinham cinco controles remotos (?) na minha frente, eu nervosa tentava apertar todos sem sucesso algum, o interfone tocou, desesperada arranquei da tomada todos os fios, consegui desligar, sentei esbaforida no chão do quarto e fingi que tinha morrido, porque não ía atender aquele interfone de jeito nenhum. Quem tocou acho que também percebeu isso e ainda bem, desistiu.

Resolvi passar o feriado trancada ali, rezando para que acontecesse algum escândalo maior no prédio e esquecessem o meu. Lembrei do meu vizinho de frente, o Cabo-verdense que eu atormentava há mais de um ano, desde o dia que ele pediu uma 'mulher delivery' e ela por engano bateu na minha porta, sem contar a primeira vez que falei com ele, logo quando mudei, perguntando quantos aniversários ele fazia por mês, já que morava sozinho e todo final de semana tinha "parabéns pra você" lá, e era uma desculpa dele e dos amigos para convidar as meninas, eu ria e dizia que só não o dedurava se me convidasse para as próximas, mas ele morria de vergonha, e eu sabendo disso, sempre que o via, cumprimentava com um sonoro: "Bom Dia, vizinho! Tudo bem? Tem aniversário hoje?!" - e agora era eu que estava na lama, afundada até o tampo da testa.

Tomei o vinho todo, o que mais tinha sobrando pela casa, tentando um estado anestésico e de dormência, assisti um desenho da Disney para desopilar daquilo, dormi e acordei com o telefonema que meu pai não estava muito bem, tive que colocar a cara pra fora, pegar um avião para BH e deixei na portaria TODOS os filmes, já que a locadora ía buscar – SETE dias depois, era promoção.

Quando voltei, achei que todo mundo tivesse esquecido, até notar o risinho dos porteiros e passar pelo vizinho de Cabo Verde, que me cumprimentou efusivamente: "Bom dia, vizinha! Vai ter festa hoje de novo?!".


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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Rio 55°

Depois de várias visitas de um amigo de Belo Horizonte, que fazia um MBA no Rio, e ficava uma vez por semana hospedado lá em casa, numa dessas noites de alto verão carioca, morando em cima de um conhecido restaurante na Glória*, havia um ar condicionado antigo, desligado, no chão do meu quarto. O calor era tanto que esse amigo pergunta, pela décima vez, se o troço funcionava ou não, eu sempre respondia: “Sei lá, Marcos... tenho que pedir alguém para instalar essa bagaça, mas ainda não tive tempo, esqueci...”.


Eis que esse viajado amigo, com fotos em cima de camelo na Arábia, elefante na India, abraçado com coelhinhas da Playboy na comemoração do cinqüentenário da revista em NY, sugere que era besteira minha, era só ligar o troço na tomada e pronto. Na hora estranhei, perguntei do buraco na parede (que estava tampado com uma madeirinha), da necessidade de TODOS os aparelhos que conhecia funcionarem enfiados nesse tal buraco, ele ignorou qualquer comentário e já se prontificou em arranjar tudo. Pegou uma cadeira, colocou a uma distância suficiente do fio até a tomada, fechou janelas, porta da suíte que dava para o banheiro, a do próprio quarto, ainda 'lacrou' com uma toalha no chão, e ligou aquela batedeira gigante e empoeirada que fazia um barulhão danado.


No começo, eu calada, com uma cara de “isso ainda vai dar merda”, mas confiando na experiência do dito cujo e na segurança das suas explicações em torno de todo o processo. Um leve brisa fresquinha começa a sair pela frente do aparelho, o estimado e carinhoso amigo, ainda troca meus travesseiros de lugar e aconselha que eu durma assim, de ponta cabeça para a cabeceira da cama, com a cara virada para a batedeira que cuspia o mísero arzinho frio.


Ficamos sentados um certo tempo, um do lado do outro, bem na pontinha da cama, dividindo um pequeno espaço que saía a tal da brisa, sugeri até que, depois de tanto trabalho, ele dormisse ali também, usufruindo da geringonça, a cama era de casal, somos amigos há tanto tempo, mas, todo respeitador e meio constrangido, declinou e foi para quarto dele, onde ía dormir com as janelas abertas mesmo, e um ventilador comum. Antes de sair ainda recomendou que não esquecesse de voltar com a tolha vedando a porta, “para concentrar o ar frio”.


Pensei um pouco na minha alergia, lembrei que ele garantiu que o filtro existia pra isso – que os ácaros não pulariam todos num ataque coletivo às minhas narinas e daria tudo certo. Assim adormeci, cansada, pensando em como sou sortuda por ter amigos tão espertos e que cuidam de mim.


Não sei ao certo quanto tempo passou, acho que umas duas ou três horas, mas, de repente comecei a sonhar com afogamento, canibais me cozinhando viva, trechos da bíblia que falam sobre “arder no mármore do inferno”, e coisas do gênero. Acordei tentando buscar ar, numa apnéia que não passava nem quando abri os olhos, que por sinal não mandaram comando nenhum ao cérebro de onde eu estava, só lembranças de uma sauna, já que caíam gotas quentes do teto, tinha uma sopa de água parada no chão, eu encharcada, com as bochechas vermelhas, só não entendia a cama ali no meio.


Consegui dar um salto e abrir a porta, com a toalha ali prendendo, mas saí exprimida por uma frecha e consegui respirar na sala, aos poucos a consciência do que tinha acontecido foi voltando, por pior que seja o verão carioca em pleno janeiro, perto do meu quarto aquela sala parecia o topo de uma montanha, em Bariloche, de tão fresca.


Tinha um sofá branco de couro nessa sala, sentei ali um pouco para acabar de recuperar o fôlego, quando levantei tinha uma marca de suor certinha do meu corpo gravado ali. Era a hora de acordar o maldito estimado amigo, pra ver o resultado do magnífico projeto da sua mente privilegiada. Entro no quarto, com a roupa molhada, os cabelos grudados no rosto vermelho, ainda arfando, ele dormindo serenamente, tranqüilo com os braços abertos; se tivesse forças, juro que teria gritado, mas não consegui, só disse o nome num grunhido entre os dentes e arranquei o lençol do sacripanta, que levanta meio atônito e pergunta se eu estava passando mal.


Não respondi muita coisa, só disse para ir até meu quarto dar uma olhada, ele levanta, vai até lá e não faz absolutamente nada. Não conseguia, teve uma crise de riso que caiu no chão ali mesmo, na entrada, que saia um bafo quente, e a água já chegava até a entrada da sala. A porcaria da brisa(zinha) que saía da frente do ar condicionado, não era 5% do ar quente que escapava por trás, nessa troca de ar viciado então, cada vez mais quente, num quarto abafado, construí uma sauna, com direito até teto molhado, só faltou um spray de eucalipto, e as manchas da água no chão de taco, não saíram, entreguei o apartamento assim, dois anos depois.


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Pé de página:

*era primeiro andar, a sala e um pedaço do primeiro quarto ficava estrategicamente em cima da churrasqueira do self service, o neon de propaganda iluminava esse mesmo quarto e ainda era vermelho, me sentia num bordel, se um dia tivesse ido em algum.