segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Rio 55°

Depois de várias visitas de um amigo de Belo Horizonte, que fazia um MBA no Rio, e ficava uma vez por semana hospedado lá em casa, numa dessas noites de alto verão carioca, morando em cima de um conhecido restaurante na Glória*, havia um ar condicionado antigo, desligado, no chão do meu quarto. O calor era tanto que esse amigo pergunta, pela décima vez, se o troço funcionava ou não, eu sempre respondia: “Sei lá, Marcos... tenho que pedir alguém para instalar essa bagaça, mas ainda não tive tempo, esqueci...”.


Eis que esse viajado amigo, com fotos em cima de camelo na Arábia, elefante na India, abraçado com coelhinhas da Playboy na comemoração do cinqüentenário da revista em NY, sugere que era besteira minha, era só ligar o troço na tomada e pronto. Na hora estranhei, perguntei do buraco na parede (que estava tampado com uma madeirinha), da necessidade de TODOS os aparelhos que conhecia funcionarem enfiados nesse tal buraco, ele ignorou qualquer comentário e já se prontificou em arranjar tudo. Pegou uma cadeira, colocou a uma distância suficiente do fio até a tomada, fechou janelas, porta da suíte que dava para o banheiro, a do próprio quarto, ainda 'lacrou' com uma toalha no chão, e ligou aquela batedeira gigante e empoeirada que fazia um barulhão danado.


No começo, eu calada, com uma cara de “isso ainda vai dar merda”, mas confiando na experiência do dito cujo e na segurança das suas explicações em torno de todo o processo. Um leve brisa fresquinha começa a sair pela frente do aparelho, o estimado e carinhoso amigo, ainda troca meus travesseiros de lugar e aconselha que eu durma assim, de ponta cabeça para a cabeceira da cama, com a cara virada para a batedeira que cuspia o mísero arzinho frio.


Ficamos sentados um certo tempo, um do lado do outro, bem na pontinha da cama, dividindo um pequeno espaço que saía a tal da brisa, sugeri até que, depois de tanto trabalho, ele dormisse ali também, usufruindo da geringonça, a cama era de casal, somos amigos há tanto tempo, mas, todo respeitador e meio constrangido, declinou e foi para quarto dele, onde ía dormir com as janelas abertas mesmo, e um ventilador comum. Antes de sair ainda recomendou que não esquecesse de voltar com a tolha vedando a porta, “para concentrar o ar frio”.


Pensei um pouco na minha alergia, lembrei que ele garantiu que o filtro existia pra isso – que os ácaros não pulariam todos num ataque coletivo às minhas narinas e daria tudo certo. Assim adormeci, cansada, pensando em como sou sortuda por ter amigos tão espertos e que cuidam de mim.


Não sei ao certo quanto tempo passou, acho que umas duas ou três horas, mas, de repente comecei a sonhar com afogamento, canibais me cozinhando viva, trechos da bíblia que falam sobre “arder no mármore do inferno”, e coisas do gênero. Acordei tentando buscar ar, numa apnéia que não passava nem quando abri os olhos, que por sinal não mandaram comando nenhum ao cérebro de onde eu estava, só lembranças de uma sauna, já que caíam gotas quentes do teto, tinha uma sopa de água parada no chão, eu encharcada, com as bochechas vermelhas, só não entendia a cama ali no meio.


Consegui dar um salto e abrir a porta, com a toalha ali prendendo, mas saí exprimida por uma frecha e consegui respirar na sala, aos poucos a consciência do que tinha acontecido foi voltando, por pior que seja o verão carioca em pleno janeiro, perto do meu quarto aquela sala parecia o topo de uma montanha, em Bariloche, de tão fresca.


Tinha um sofá branco de couro nessa sala, sentei ali um pouco para acabar de recuperar o fôlego, quando levantei tinha uma marca de suor certinha do meu corpo gravado ali. Era a hora de acordar o maldito estimado amigo, pra ver o resultado do magnífico projeto da sua mente privilegiada. Entro no quarto, com a roupa molhada, os cabelos grudados no rosto vermelho, ainda arfando, ele dormindo serenamente, tranqüilo com os braços abertos; se tivesse forças, juro que teria gritado, mas não consegui, só disse o nome num grunhido entre os dentes e arranquei o lençol do sacripanta, que levanta meio atônito e pergunta se eu estava passando mal.


Não respondi muita coisa, só disse para ir até meu quarto dar uma olhada, ele levanta, vai até lá e não faz absolutamente nada. Não conseguia, teve uma crise de riso que caiu no chão ali mesmo, na entrada, que saia um bafo quente, e a água já chegava até a entrada da sala. A porcaria da brisa(zinha) que saía da frente do ar condicionado, não era 5% do ar quente que escapava por trás, nessa troca de ar viciado então, cada vez mais quente, num quarto abafado, construí uma sauna, com direito até teto molhado, só faltou um spray de eucalipto, e as manchas da água no chão de taco, não saíram, entreguei o apartamento assim, dois anos depois.


-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Pé de página:

*era primeiro andar, a sala e um pedaço do primeiro quarto ficava estrategicamente em cima da churrasqueira do self service, o neon de propaganda iluminava esse mesmo quarto e ainda era vermelho, me sentia num bordel, se um dia tivesse ido em algum.

0 comentários:

Postar um comentário