terça-feira, 19 de janeiro de 2010

22 de Maio

Hoje é um dia estranho


Um dia do ano que eu nunca esqueci

Sabia da importância que você dava a ele

Ái de mim se não ligasse, não fizesse um esforço para estar perto, almoçar no mínimo


Depois do almoço, eu me levantaria para fumar um cigarro, você diria: "Já vai né?" , fazendo uma careta. Eu responderia: "Já volto!" , sorrindo, mas não por deboche, respeito. Brincando que você exagera, mas até pq meus desafios tem limite, nunca fumei confortavelmente na sua frente, como te conheço bem, mentir seria pior que o vício que condena.


Os assuntos, os mais variados. Entre eles um escárnio ou outro, pegando no meu pé, de como faço tudo errado, dizendo que eu não aprendi nada... eu fomentava, contando meus casos, exagerando até, mas precisava lhe dar argumento pra soltar a velha frase: "Mas é muito maluquinha..." outra vez eu riria, quem tivesse perto também, mas você mais ainda.


Não consigo desassociar esses almoços, sem a imagem de você tomando sua cerveja, religiosamente todos os dias, mas nunca lhe vi bêbado, nem ao menos alterado, sabia dosar. No máximo, quando sentia-se "molinho", despedia-se com suas frases e gestos característicos (tão repetidos) e ía tirar seu cochilinho, relaxaaaado, esperando a moleza passar. Não demorava muito, acho que no máximo uma hora, levantava já molhando as plantas e eu nunca entendi pq vc não ficava com aquela cara amarrotada de quem acabou de acordar, nem de manhã! Eu tenho, oras.


E quantos desses cochilos eu perdi quando era menor, você queria me ensinar dormir depois do almoço, eu abominava. Reclamava, esperneava, mas vc era mais forte, eu era pequena, colocava seu braço em torno de mim, deitado de lado, e me prendia, eu virava uma boneca, dessas que as crianças dormem abraçadas. Aí desenvolvi uma técnica: esperava sua respiração mudar, seu braço já não me apertava tão firme (só era pesado), eu escorregava de mansinho, e saía pelo pé da cama, bem devagar. Achava o feito do século: enganei o gigante.


Com o tempo você desistiu de me obrigar a dormir, um dia, depois de muito tempo, eu pedi, aliás, avisei: "Vou dormir com você!", mas aí você não deixou, disse que já era muito grande pra isso, tá bom. Inverti minha técnica, esperava sua respiração mudar, dava um tempo e deitava silenciosamente do seu lado, sentindo o cheiro do seu travesseiro, adormecia. De novo, enganei o gigante, que já não era tão grande, nem tão mais forte, mas acho que gostava de ser enganado, pq nunca reclamou da minha ausência quando era pra eu estar ali, nem da minha presença, quando não devia estar. Ou me enganou todo esse tempo, deixando eu pensar que era eu quem fazia isso.


Hoje vou almoçar sozinha, tentar estar com meus irmãos, você gostaria disso (mas confesso que é uma prática que anda difícil). De nos ver rir, encarnar um no outro, tomar cerveja, comer bem e depois o tal cochilo. Eles eu não sei, eu vou. Tentar sonhar com o tempo que era uma boneca esmagada, no lugar mais seguro do mundo, protegida pelo gigante.


Feliz aniversário, pai! (eu acordei pensando nisso, mas esse ano não dá pra te ligar)

1 comentários:

Leninha disse...

caramba... que texto lindo!! parabens!

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